kitschnet - mini-pratos ao balcão: 12.13


31.12.13

PORTUGHÃN?

posted by pimpinelle
27.12.13

Endomnização
Mim milhões de dólares.

posted by pimpinelle
12.12.13

Filocidade

A minha professora de Filosofia do secundário inaugurou as aulas perguntando a cada um de nós qual era o sentido da vida. A minha resposta foi simples, imediata e espontânea: ser feliz. Apesar ou por causa? do que já sabia da vida e de filosofia, não havia outra resposta possível. (Outros houve que responderam «o nada» ou  «termos filhos».) Ordenou-me então que escrevesse um ensaio sobre os epicuristas (ateus), para explorar o tema da felicidade como fim último da existência, coisa que fiz.
Naquela altura, ainda tinha dúvidas sobre se cria num Deus; a ter de escolher, penderia para o sim. 
No outro dia, ocorreu-me que o meu último trabalho do curso já toda eu pendente para o ateísmo foi um textinho para Filosofia Medieval sobre o De beata uita (muito bonito, embora beato), que afirma, precisamente, que a finalidade da vida é a felicidade. O círculo completou-se.


Já não tenho o primeiro, mas tenho o último:





De Beata Uita

(Diálogo sobre a Felicidade)

de

Agostinho de Hipona




Não nos basta existir, queremos ser felizes. Quem o diz é Agostinho de Hipona (Tagaste, 13 de Novembro de 354 – Hipona, 28 de Agosto de 430) no início do seu primeiro diálogo após a conversão ao Cristianismo, De Beata Uita (386)[1]. É importante salientar as circunstâncias históricas em que o diálogo ocorre, pois é também desses acidentes que muito do interesse releva: a partir do contexto biográfico do seu protagonista podemos compreender melhor as mensagens contidas no texto. Sendo um dos seus primeiros diálogos – embora Agostinho perseguisse há muito explicações filosóficas para a ordem do mundo –, nele surgem algumas posições que mais tarde o autor sentirá necessidade de rever (nomeadamente nas Retractationes). Não obstante, este texto constitui um valioso testemunho do pensamento do filósofo e leva-nos a compreender de forma mais ampla o seu passado e a sua obra posterior.

A propósito do seu aniversário, Agostinho reúne alguns dos seus amigos, o seu filho e a sua mãe num local do seu agrado, Cassicíaco (perto de Milão), para onde se retirara a fim de meditar sobre as suas inquietações espirituais e intelectuais. O propósito deste encontro será «nutrir a alma» examinando um tema clássico: a vida feliz, sua natureza e modo de a alcançar. Conhecedor da herança helénica, e influenciado por ela, em que tal tema já havia sido debatido, Agostinho não quis deixar de retomar esta problemática e de tentar compreendê-la à luz do recém-descoberto Cristianismo. De facto, assistiremos neste colóquio aparentemente simples a uma interpretação verdadeiramente original, de matiz teocêntrica, que combinará de forma exímia os altos valores de um credo religioso – como a fé – e princípios orientadores da acção de cariz racional – como o livre arbítrio, que age com a razão –, aproximando ambas as esferas.

O título, De beata uita, «da vida feliz», apesar de poder ser traduzido para português como «da (ou sobre a) felicidade», realça a dimensão muito prática da felicidade, mais próxima da noção grega de eudaimonia, em que a felicidade não é um estado, ou sequer um fim a atingir, mas uma actividade, uma prática (no caso grego, da virtude), do que do seu conceito contemporâneo, tendencialmente identificado com a ideia de bem-estar. Vemos assim que, logo à partida, há uma intenção programática por detrás deste questionamento acerca da natureza da felicidade, pois ele visa sempre a introdução da questão sobre o modo como devemos viver de maneira a levarmos uma vida feliz. Contudo, apesar deste aspecto coincidente, o caminho da felicidade proposto por Agostinho é radicalmente diferente daquele enunciado pelos estóicos (marcado pelo vigor da alma), pelo epicurismo (marcado pela vontade do corpo) ou pela doutrina aristotélica (marcado pela força da virtude). Do ponto de vista agostiniano, ao contrário destas três perspectivas, a solução não reside apenas no homem: a felicidade é um dom divino.

Vejamos o que nos diz logo no início: «Se o método racional e a própria filosofia nos conduzissem ao porto da filosofia, a partir do qual já nos encaminhamos para a região sólida da felicidade, […] muito menos homens lá chegariam, ainda que […] sejam muito raros os que lá chegam.»[2] Nesta constatação inaugural, de feição retórica, Agostinho expressa já a sua convicção de que a razão e a vontade não são, por si só, suficientes para nos guiarem à felicidade. Mais adiante dir-nos-á, na sua eloquente metáfora marítima, que é necessário um farol que sirva de guia e que seja capaz de conduzir o homem, de outro modo errante, ao porto seguro da felicidade e que o afaste do pior e insidioso inimigo: a vanglória. Esta luz que ampara é a luz da razão, mas também a da fé.

Agostinho não hesita em socorrer-se do seu próprio percurso para ilustrar os vários caminhos passíveis de serem percorridos pelos homens e dá-nos conta da sua luta contra os académicos e da sua cegueira temporária face ao maniqueísmo. Aliás, um dos desígnios do diálogo é precisamente o refutar destas posições, como vemos bem patente no final do segundo capítulo, em que se conclui a impossibilidade de os Académicos serem felizes.

Entre as muitas ideias contidas no diálogo, a principal é a de que há que escolher entre uma vida entregue à busca do fugaz, que nos deixará necessariamente infelizes ou, a via preferível, uma vida dedicada ao que é eterno e imperecível. É a esta noção (reutilizada na sua teoria da vontade quando diz que é entre estas duas hipóteses que a vontade racionalmente decide[3]) de via para a felicidade que Agostinho quer chegar. Será através do reconhecimento do facto de que o fugaz jamais poderá satisfazer completamente que se opta por partir ao encontro da via que busca o eterno, que só pode ser em direcção a Deus. Ser feliz é, então, diz-nos no capítulo II (11), estar em Deus e possuí-lo.

Inicia-se no capítulo IV uma importante elaboração deste ponto de vista, que visa deslindar que coisa é possuir Deus. A troca de impressões e as consequentes deduções são o primeiro passo na identificação entre o nada, a ausência de posse, e a ignorância. Conclui-se dizendo que ser feliz é ser-se sábio, que por sua vez significa proceder com moderação, de acordo com a justa medida. A posterior identificação da sabedoria com a felicidade é de evidente influência (neo-)platónica, tal como a ideia de desapego às coisas materiais, que se sabem fugazes, é de matriz estóica .

Vemos então que Agostinho considera a sabedoria uma propedêutica indispensável para a felicidade (uma participação na sapiência) mas que só a plena entrega ao Deus cristão (a sapiência em substância e plenitude) conduz definitivamente a ela. É nesse sentido que vai a conclusão do diálogo quando se atribui à figura de Cristo a personificação da sabedoria divina e em que o filho de Deus dá o exemplo da justa medida. Visto desta maneira, enquanto exemplo, percebe-se a força da imagem de Cristo como um ideal para o homem (por um lado remetendo para o Pai, por outro lado assemelhando-se a um irmão).

Estamos perante uma teoria ética da felicidade, que não atribui ao homem mais leis do que aquelas que a sua razão e a sua fé já lhe impõem. Se o homem é visto como incompleto, paradoxalmente é-lhe mostrado que tem dentro de si as ferramentas para se aperfeiçoar, é-lhe prometido que, pela sua natural tendência intelectual e espiritual para a virtude (um Agostinho posterior confirmá-lo-á), será capaz de chegar ao porto, de alcançar a felicidade.

A novidade da concepção agostiniana de felicidade reside no facto de haver um reconhecimento da insuficiência humana de se auto-satisfazer. É muito marcante para os pensadores que se seguiram a Agostinho esta ideia de «incompletude», que não é, contudo, inteiramente negativa e que concorda com a observação inicial de Agostinho de que a soberba é um mal maior. Reconhecendo que não se basta a si mesmo, o homem projecta-se para fora de si em direcção à transcendência, libertando-se das suas imperfeições egoístas e ignorantes. Parece possível ler por detrás do véu retórico uma afirmação vincada da generosidade e da humildade, vias pelas quais o ser humano tem de passar, se quer lograr a verdadeira felicidade. É a constatação de que o homem só ilusoriamente subsiste por si só e, a par disso, uma desvalorização das coisas materiais (ideia antiga, reforçada pela doutrina cristã).

Não basta existir, precisamos de ser felizes e, para tal, de nos encontrarmos em Deus. De o integrar e de nos tornarmos inteiros. Esta intuição de Agostinho é comum a outras correntes de pensamento, como algumas do Oriente, muitas delas contemporâneas (mutatis mutandis), mas destaca-se principalmente como símbolo do começo da formação de uma filosofia cristã que se afirmaria a todo o Ocidente e cujos efeitos ainda hoje sentimos.







[1] Agostinho de Hipona, Diálogo sobre a Felicidade, ed. blilingue, trad. portuguesa, introdução e notas de Mário A. Santiago de Carvalho,  Lisboa, Edições 70, 2007.

[2] Idem, ibidem, Cap. I., 1.


[3] Agostinho, Diálogo Sobre o Livre Arbítrio, I., 7.


PS: palavras caras, quem as não tem?

posted by pimpinelle
11.12.13

Housebroken
A criança percebe que esperam e gostam que desenhe casas. Então desenha casas, e cada vez melhor: telhas, andorinhas, maçaneta, nuvens, um sol (nunca dois), chaminezinha com fuminho a sair (mas nada de fogo). Passam-se muitos anos até perceber que pode desenhar o que quiser. Apesar de agora perceber, não consegue.

posted by pimpinelle
6.12.13

Les uns et les autres
Às vezes gostava que houvesse outra humanidade algures, para poder comparar com esta.

(Imaginem a multiplicação de académicos!)

posted by pimpinelle
5.12.13

Diário de bairro IV


A minha mesa preferida – a única individual – do café onde costumo almoçar uma sopa e uma sanduíche de filete (85% das vezes) ou panado (as vezes restantes) quando não estou para preparar nada fica junto à janela, de frente para a parede, e hoje estava livre. Apesar de ter os diversos flancos resguardados, tenho vista directa para o hall de entrada do estabelecimento, o que não é nem deixa de ser uma vantagem porque almoço com os olhos postos no livro. Apesar de tudo, oiço-os a todos. A empregada, ruça de ar russo mas portuguesa como poucas, tem a voz e a personalidade da apresentadora das manhãs da TVI. Cumprimenta efusivamente todos os que entram, incluindo-me. 
Já sentada e ruminante, entra um aposentado de fato, o típico sénior de bairro que ainda se apruma para sair de casa porque não imagina sequer outra possibilidade. Entra no café como quem entra em palco, de braços abertos, vejo-o pelo canto do olho, sendo recebido em apoteose pela funcionária enérgica, que lhe guincha, prazenteira, onde tem andado, senhor qualquer coisa? Não tenho saído, responde o aposentado. Do frio, penso eu, reconcentrando os sentidos no parágrafo que começo a ler pela terceira vez. Só tiro os olhos da página quando oiço «aaai… aaai… aaai… aaai…» vindos da rua, que não vejo. As pessoas acodem e percebo que é o velho, a única personagem em falta nesta cena. Não sei o que faz na rua, se tinha acabado de entrar, mas o gemido vem lá de fora. Penso em ir também, mas já todos foram, homens feitos inclusive, e não estou preparada para ver uma morte ao vivo. A moça ruça vem no sentido contrário dos outros e vai buscar guardanapos atrás do balcão. Vozes maternais de mulheres dão ordens ao senhor: sente-se, devagarinho, não se mexa, não, deixe-se estar, e depois para dentro: mais guardanapos, chame o 112. Agora o senhor parou de gemer, mas as mulheres continuam a dar-lhe ordens despachadas, o que me leva a deduzir que não é grave, embora não veja nada do que se passa lá fora por causa da parede. Alguns voltam para dentro. Por instantes, fui a única pessoa sentada (a cozinheira, nos fundos, está provavelmente de pé e não conta, porque não se apercebeu de nada), o que me causa vergonha, embora saiba que ir até lá de nada serviria. Sempre me fizeram impressão estas situações em que todos acorrem, seja uma luta de recreio ou uma queda valente. As multidões alvoroçadas são-me insuportáveis. Além disso, já salvo o dia muitas vezes noutros contextos, pelo que bem posso deixar o papel de herói para outrém de vez em quando. Mesmo assim, sinto vergonha de uma sensatez que tem o seu quê de cobardia; além disso, quando um dia for velha e cair, quero tudo à minha volta, incluindo a cozinheira.
Percebo pelo «um, dois, três» em coro que estão a içar o ancião. Alguém entra no café, afasta uma cadeira de uma das mesas e põe-na à entrada, voltada para mim. Olho agora para a cadeira vazia, a cinco metros de distância, prestes a receber o sinistrado. Verei sangue e desamparo e com o homem a olhar para mim ser-me-á impossível continuar a comer. Lá trazem o senhor, escoriado, uns pedaços da cara avermelhados, na testa e no nariz. Aperta um guardanapo contra a cabeça, mas não estanca hemorragia alguma porque não existe hemorragia alguma, está só esfolado. Foi sobretudo susto, felizmente. E, felizmente, pessoas corpulentas postam-se diante do ferido, o que me permite acabar a sopa, que como mais envergonhada do que nunca. Ele está óptimo, mas fazem-lhe perguntas muito alto, como se estivesse surdo ou desmaiado: agora tem de ir ao hospital, tem quem o leve? Tem alguém em casa? Ah, é viúvo? Tem alguém a quem ligar? Ele balbucia qualquer coisa. Algo me diz que quer apenas descansar um bocado (ou prolongar o momento). Os paramédicos improvisados retornam às suas mesas, agora que a situação está controlada, mergulhando nos seus bacalhaus à seja o que for e deixando uma senhora que anda de um lado para o outro enquanto espera que lhe atendam o telefonema encarregada do caso. Levanto-me para ir pagar e sair dali depressa. Quando me vou a aproximar do balcão, a loira cujo loiro é dos balcãs intercepta-me e olha para mim com a expressão preocupada que ostenta há cinco minutos, desde que tudo começou. Os olhos arregalados pincelados com rímel quebram-me e cedo à pressão social de lhe perguntar se o senhor está bem, embora saiba perfeitamente que está, porque o vejo mesmo ali, agora ainda mais de perto. Pestaneja e faz que sim, encolhendo os ombros. Diz uma banalidade qualquer do género «é a idade» e eu retruco com a minha pan-resposta: «pois, é complicado.» Agora ancorada à vitrine, de nota em riste para pagar, já quase fora de perigo, ninguém para me atender. Estou à mercê de uma senhora que parece francesa mas não é, que fala com quem não quer ouvir, que já tenho visto por ali mais vezes. Come qualquer coisa que não me dou ao trabalho de identificar. Sem o menor pudor, olha-me directamente e começa a falar: agora tenho de o levar ao hospital. Sinto-me melhor por o senhor afinal estar acompanhado, mas estranho que ela esteja a almoçar calmamente enquanto o seu ente-supostamente-querido encosta um guardanapo à testa. O meu marido (ah, penso eu) caiu ontem (outra vez? penso eu), mas não quis ir, agora cai este senhor (ah, penso eu). Os homens são muito teimosos, conclui. Pelo incrível à-vontade com que discursa percebo que posso ficar sua refém várias horas se ninguém vier em meu auxílio. E a caixa, com o meu troco lá dentro, ali tão perto. Para que é que eu me casei, indaga o ar com pronúncia nortenha e amargura idosa, eu nem me queria casar. Pergunto-me o que sentirá o marido. Por fim, o outro funcionário, cujo paradeiro durante todo este tempo se desconhece, chega e pega na minha nota. Recolho o troco e, quando me volto, deparo uma vez mais com o Ícaro septuagenário. Expressão simpática, segura o guardanapo com uma delicadeza em desuso, ostenta dois pins na lapela (não são do colégio militar, mas de outras corporações quaisquer) e as pernas cruzadas deixam à vista as meias brancas, de desporto, calçadas do avesso. Saio para a luz e constato que esta história é inteiramente desprovida de moral.

posted by pimpinelle
4.12.13

Força de expressão
Perdida de riso.

posted by pimpinelle

Perplexidades orientais
Praticamente todos os chineses têm as unhas compridas, e nunca vi nenhum que as roesse. 

A primeira explica-se depressa e bem: é um símbolo de estatuto – poder tê-las crescidas e cuidadas mostra que a pessoa não tem de fazer trabalhos manuais, pesados. A segunda é um mistério. Terá que ver com as várias maneiras como as pessoas de culturas diferentes exprimem a ansiedade. Mas logo os chineses, que se me afiguram tão ansiosos, apesar da sabedoria milenar e de todo aquele chá. Que curioso.


posted by pimpinelle
2.12.13

Aliás,


posted by pimpinelle