triste figura de estilo # 2
toda a melancolia de um cubo de gelo
quero
desperdiçar
a
minha
vida
toda
contigo
mais uma vez emiti o juízo final de que não deveríamos mudar de hora. é antinatural, perdemos luz e por causa disso muito mais para além disso. dão-me, como quase sempre o fazem, de sorriso condescendente de quem fica contente por a esta saber responder, a explicação económica ou afim. desta última vez disseram-me que assim ficaríamos ainda mais afastados do resto da europa. ao que não fui capaz de responder com o devido e então? ou paciência ou melhor. fiquei-me por um lá isso era. e depois fiquei a matutar nesta minha pequena cobardia e se o tinha sido ou não, porque pus uma inevitável expressão sonhadora nas bochechas e deixei um silêncio pelo meio. quando me assalta o quinto dos impérios não há nada a fazer.
curioso que, por uma questão de princípio meio e fim não aceite a ideia de povo escolhido, tenha a até hoje inabalada intuição de que ainda temos um palavrão a dizer.
gosto de estendais públicos, nada tenho contra a roupaovento, não me perturba a arquitectura passagística. acho-lhes graça e, humanos, ainda são das coisas que mais arcam a cidade em íris.
visualizar para crer
no fim do mês é justo que recepcione o ordenado. sabe bem recepcionar os amigos e recepcionar presentes no natal e nos anos. é bom recepcionar correio, recepcionar o troco e recepcionar boas notas e boas novas, como o é recepcionar bençãos várias e outras dádivas. estás a percepcionar?
reininho na barriga
não me esqueci e ando para agradecer e retribuir há um sem fim de tempo [vou fazendo lentamente a ronda das respostas ao crédito mal amparado] um post que
aqui me ligava -os outros todos também são para agradecer- em que falava do Reininho e moi. pois bem, não me alongando muito, mas não deixando a efeméride que muito me honra passar em branco, confesso apenas, partilho e já agora torno público, em nome da admiração que nutro por um e outro, que aos 13 anos lhe escrevi uma carta em que declarava, em linhas tortas e gerais,
senhor reininho, escrevo coisas muito parecidas com as suas; se algum dia lhe faltar a imaginação, contacte-me.
não lhe cheguei a remeter a missiva porque muito zangada com quem me oferecera o mosquito álbum o deitei para o lixo e a correspondência seguiu igual destino. o lobo no cais sozinho ficou e eu continuo a achar-lhe graça, silenciosa, à distancia. no fundo, obrigadinho é o que eu lhe desejo. e samuel, tivesse eu mais chapéus e mais tos tirava.
obra e graça
.salvos de palmas, muitos anos devidos.
dar o dito por bendito
um rato sem scroll é um rock sem roll
cheguei cá por via das dúvidas
Marina Colasanti
Eu sei, mas não devia
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não seja as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E porque não abre as cortinas logo se acostuma acender mais cedo a luz.
E a medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá pra almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja número para os mortos.
E aceitando os números aceita não acreditar nas negociações de paz,
aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
A lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer filas para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e a ver cartazes.
A abrir as revistas e a ver anúncios.
A ligar a televisão e a ver comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição.
As salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
A luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
A contaminação da água do mar.
A lenta morte dos rios.
Se acostuma a não ouvir o passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães,
a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai se afastando uma dor aqui,
um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.
Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo
e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se
da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida que aos poucos se gasta e, que gasta,
de tanto acostumar, se perde de si mesma.
velar
do Lat. vigilare
v. tr.,
vigiar;
vigilar;
assistir a um doente;
estar de guarda;
fig.,
proteger;
amparar;
v. refl.,
abster-se de dormir;
estar de vigia ou de guarda;
prestar cuidados a;
interessar-se.
segunda-feira, no marquês de pombal, a partir das 19h.
vamos ser todos ouvidos
my mind goes blank
jamais ouvirei conscientemente o relato de alguém que me descreve um acidente de viação.
responda sim ou não
e dos casulos saem linhas em segunda mão, usadas como novas, que ontem rastejavam barriga no chão e agora ressuscitam e sobem aos céus como mariposas de terceira instância. o terceiro incluído levantou voo, pousou e partiu. borboleta, pauta que a pariu.
o blogger propõe-me salvar agora. e pisando o risco, corro-o.